sexta-feira, 12 de julho de 2024

Aproveite as férias para colocar as leituras em dia

 Além de prazeroso, ser um professor leitor é fundamental para incentivar o hábito entre os alunos; confira dicas

PorAna Cláudia Santos

04/01/2023


Depois de longos dias letivos, relatórios, planos de aula, provas e tantas outras tarefas típicas de uma escola, as férias chegaram, trazendo a oportunidade do descanso merecido e de um olhar atento para nossa saúde mental.

Mas o que fazer com o tempo livre? O que motiva seu desejo de se entregar a uma atividade lúdica ou a uma situação afetiva e, a partir daí, criar, transformar e ressignificar ações do cotidiano sem a preocupação cronológica?

Ócio é um tempo para si, para criar as próprias ideias, ampliar a capacidade de percepção e compreensão da vida e cultivar a paciência e a atenção. Uma pausa para sermos quem desejamos ser.

Em seu livro O ócio criativo, o sociólogo italiano Domenico de Masi tece importantes considerações sobre diversos aspectos da vida, e a ideia de ócio está relacionada ao tempo, ao prazer e ao silêncio.

Para o autor, “a sociedade pós-industrial oferece uma nova liberdade: depois do corpo, liberta a alma”. A obra de Masi é um convite para repensar como temos preenchido tempos e espaços vazios em nossa vida. Estimada professora, caro professor, trabalho, prazer e estudo estão sendo traduzidos em felicidade em seu cotidiano?

Neste período de pausa, pegue um livro de crônicas ou contos para ler. Além de uma atividade prazerosa, é uma maneira de nos transformarmos em professores leitores, algo fundamental para despertar esse hábito em nossos alunos. Eu até já falei sobre isso na coluna Língua Portuguesa: a importância de ser um professor leitor.

Assim, que tal abrir as páginas de Nu de botas, de Antonio Prata? São memórias da infância de quem viveu na década de 1980; melhor dizendo, são memórias atemporais. Quem não conheceu o palhaço Bozo, completou o álbum de figurinhas da Copa de 1982 ou esperou pela passagem do cometa Halley certamente não se lembrará dos cenários e personagens, mas se reconhecerá em situações que reconstroem a emoção e o sentimento que não se desfazem com o tempo.

Nas páginas de Um brasileiro em Berlim, de João Ubaldo Ribeiro, é possível encontrar formas de desanuviar. São narrativas bem humoradas sobre a temporada do baiano na Alemanha, registros das estranhezas de ser brasileiro em um país tão diferente do nosso.

Prosa e poesia se encontram nos registros de Paulo Mendes Campos. No livro O amor acaba, basta que o lirismo tenha olhos para despertar o lugar comum, andar despretensiosamente pelas manhãs de domingo e relembrar diálogos que tiveram força e vida. 

Outros tipos de leitura para as férias

Permita-se a uma leitura para além das palavras. Deixe que o ócio desperte a imaginação. Conheça ou reconheça a cena da vida representada pelas lentes do mestre da fotografia Sebastião Salgado. Para o fotógrafo mineiro, “Você não fotografa com a sua máquina. Você fotografa com toda sua cultura”.

Salgado revela em seu livro Perfume de sonho – uma viagem ao mundo do café a forma como o labor humano, com esforço anônimo, leva à mesa o sabor e a fragrância do café. A obra é resultado de dez anos de paciência, atenção e trabalho realizado em dez países.

Já nos cliques do paulistano Cássio Vasconcellos, encontramos em Brasil visto do céu um paradoxo entre a natureza e a intervenção do homem. Vasconcellos acende os holofotes sobre a maneira como temos ocupado os espaços naturais e como eles nos respondem.

Séries inspiradas na literatura

Agora, se você é do tipo que prefere as obras clássicas, mas não quer perder a inventividade das telonas, a família Holmes não pode faltar em sua lista. Enola Holmes: O caso do marquês desaparecido, de Nancy Springer, está entre as favoritas nos streamings e também nas livrarias.

É sempre instigante acompanhar o raciocínio lógico por trás dos enigmáticos mistérios das aventuras escritas por Arthur Conan Doyle sobre o astuto Sherlock Holmes como em Um estudo em vermelho e O vale do medo.

O tempo, as vivências, a leitura literal e a de mundo confirmam as proposições de Domenico de Masi. O fenômeno da tecnologia e sua potência inovaram e aceleraram as formas de aprender, ensinar, viver e conviver. Mas as atividades humanas que estimulam o intelecto estão associadas à criatividade e à invenção.

É o próprio Masi que relaciona suas ideias ao argumento de um dos maiores sociólogos brasileiros, Gilberto Freyre: “Se depender de mim, nunca ficarei plenamente maduro, nem nas ideias nem no estilo, mas sempre verde, incompleto”.

Por fim, mas não menos relevante, deixo uma sugestão de poema, pois sabemos bem que versos não são fórmulas prontas, são palavras que ganham formas subjetivas que tocam a alma e o coração. E é o próprio Drummond que reforça a ideia de que a inovação está dentro de cada um de nós:

Para ganhar um Ano Novo/ que mereça este nome,/ você, meu caro, tem de merecê-lo,/ tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,/ mas tente, experimente, consciente./ É dentro de você que o Ano Novo/ cochila e espera desde sempre.

Meu fraterno abraço e o desejo de um despertar para o ócio!

Ana Cláudia Santos é professora de Língua Portuguesa na Educação Básica da rede estadual de ensino há 20 anos e mestranda em Educação Profissional e Tecnológica. Foi vencedora do Prêmio Educador Nota 10, promovido pela Fundação Victor Civita, nas edições de 2014 e 2018, com os trabalhos O Povo Conta e O (Ser)tão de Cada Um. Recebeu a medalha Ordem do Mérito Educacional (MEC) – Grau de Cavaleiro e o troféu Capitão-Médico João Guimarães Rosa, da Academia de Letras da PMMG.

fonte: https://novaescola.org.br

quarta-feira, 10 de julho de 2024

Psicogênese da língua escrita: O que é?

 2ª parte

         Para aprender a escrever, é fundamental que o aluno tenha muitas oportunidades de fazê-lo, mesmo antes de saber grafar corretamente as palavras: quanto mais fizer isso, mais aprenderá sobre o funcionamento da escrita. 

         A oportunidade de escrever quando ainda não se sabe permite que a criança confronte hipóteses sobre a escrita e pense em como ela se organiza, o que representa, para que serve. Mesmo quando as crianças ainda não sabem escrever convencionalmente, elas já apresentam hipóteses sobre como fazê-lo. 

         Aqui no Brasil, a teoria do conhecimento empirista dominou (e em muitas situações ainda continua dominando, já que pesquisas têm evidenciado que muitos professores alfabetizadores ainda trabalham com as mesmas cartilhas que usavam antes das versões mais “modernizadas” surgidas com o advento do PNLD1 ) tudo o que se fez em alfabetização até a publicação do livro Psicogênese da língua escrita (FERREIRO e TEBEROSKY, 1979). A teoria empirista considera que os alunos chegam à escola todos iguais e completamente ignorantes, no que se refere à escrita, e que bastaria ensinar quais letras correspondem a quais segmentos sonoros para que eles compreendessem o modo de funcionamento do sistema alfabético.

         Contrariando os fundamentos empiristas dos “métodos de alfabetização”, que viam o aprendizado da leitura e da escrita como um processo de associação entre grafemas e fonemas, no qual a criança evoluiria por receber e “fixar” informações transmitidas pelos adultos, Ferreiro e Teberosky (op.cit.) demonstraram que as crianças formulam uma série de ideias próprias sobre a escrita alfabética, enquanto aprendem a ler e a escrever. Considerando que a escrita não é um código, mas um sistema notacional, as autoras observaram que o aprendiz, no processo de apropriação do sistema de escrita alfabética, formula respostas para duas questões básicas: I) o que a escrita nota (significado das palavras? O significante?); II) como a escrita alfabética cria notações? (Utilizando símbolos quaisquer ou convencionados? Empregando símbolos para representar sons das palavras? Ao nível da sílaba ou do fonema? etc.)

         Segundo Teberosky e Colomer (2003), os diversos trabalhos resultantes daquela linha teórica evidenciaram que: • As crianças, antes de poderem ler e escrever sozinhas e convencionalmente, formulam uma série de ideias próprias ou hipóteses, atribuindo aos símbolos da escrita alfabética significados bastante distintos dos que lhes transmitem os adultos que as alfabetizam; • As hipóteses elaboradas pela criança seguem uma ordem de evolução em que, a princípio, não se estabelece uma relação entre as formas gráficas da escrita e os significantes das palavras (hipótese pré-silábica). Em seguida a criança constrói hipóteses de fonetização da escrita, inicialmente, relacionando os símbolos gráficos às sílabas orais das palavras (hipótese silábica) e finalmente compreende que as letras representam unidades menores que as sílabas: os fonemas da língua (hipótese alfabética). Entre esses dois momentos, haveria um período de transição (hipótese silábico-alfabética). 

          Esse processo de evolução conceitual se dá entre crianças de diferentes classes sociais, e a possibilidade de vivenciá-lo ou o ritmo em que ocorre estariam provavelmente relacionados ao maior/menor contato que os aprendizes têm com a língua escrita na escola e em seu meio e à possibilidade de vivenciarem situações em que essa é empregada socialmente. 

          Para saber o que pensa o aprendiz sobre o sistema de escrita, é preciso solicitar que ele escreva palavras, frases ou textos que não lhe foram ensinados previamente e pedir que ele os leia logo depois de grafá-los. Pesquisas transversais e longitudinais (FERREIRO, 1988; GÓMEZ PALÁCIO, 1982) mostram que essas produções escritas têm evolução perfeitamente previsível e que, para a maioria dos autores e pesquisadores, se organizam em quatro hipóteses ou níveis. Descreveremos cada um desses níveis, buscando partir da etapa mais inicial das hipóteses de escrita (nível pré-silábico) até a mais avançada (nível alfabético), quando os alunos já conseguem compreender os princípios que baseiam a escrita alfabética. Buscaremos, em cada nível, abordar: (1) as hipóteses que os alunos já construíram; (2) os conhecimentos que ainda precisam ser construídos; (3) como o professor, de posse dos dados apontados por seus alunos, pode intervir, organizando seu planejamento e lançando desafios para que o aluno passe para outro nível; (4) sugestões de atividades adequadas às hipóteses de escrita apontadas pelos alunos. 

          Para tal análise, baseamo-nos em um conjunto de diagnósticos de escrita colhidos entre crianças com idades que variam entre 5 e 6 anos. Solicitamos que as crianças escrevessem determinadas palavras (boi, formiga, gato, cavalo, elefante, sapo, perereca e rã, e alguns alunos escreveram essas nove palavras e mais a palavra banana) e que as lessem, apontando com seus dedinhos cada um dos pedaços lido. Tais palavras foram escolhidas em função de alguns critérios: a) todas faziam parte do mesmo campo semântico (animais); b) as duas primeiras (boi e formiga) possibilitariam que pudéssemos perceber como os alunos haviam avançado no que se refere ao realismo nominal; c) algumas palavras (como gato e sapo) poderiam estar estabilizadas, mas também possuíam o mesmo conjunto de vogais e isso serviria para observarmos como as crianças, nos níveis silábico e silábico-alfabético, estavam grafando-as; d) selecionamos palavras monossílabas, dissílabas, trissílabas e polissílabas para analisarmos como os alunos grafavam palavras com sílabas diferentes e, por fim, e) solicitamos que apenas o silábico-qualitativo grafasse banana para analisarmos como ele estava representando as sílabas que possuem letras repetidas. Para facilitar a compreensão, optamos por primeiro apresentar a hipótese que o aprendiz possui em cada um dos níveis e só, posteriormente, discutiremos os protocolos de escrita, já que assim acreditamos que o leitor terá mais subsídios para analisar e compreender as escritas infantis.

REFERÊNCIAS 

FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. A psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1979. 

FERREIRO, E. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 1988.

GOMEZ PALACIO, M. et al. Propuesta para el aprendizage de la lengua escrita.México, División General de Edicación Especial de la Secretaría de Educacion Pública, 1982. 

LEAL, T. F. A aprendizagem dos princípios básicos do sistema alfabético: por que é importante sistematizar o ensino? In: Albuquerque, E. B. C.; Leal, T. F. A alfabetização de jovens e adultos em uma perspectiva do letramento. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. México, División General de Edicación Especial de la Secretaría de Educacion Pública, 1982. 

TEBEROSKY, A.; COLOMER, T. Aprender a ler e a escrever: uma proposta construtivista. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.

quinta-feira, 4 de julho de 2024

Psicogênese da língua escrita: O que é?

 1ª parte

        O que geralmente acontecia quando as crianças entravam para a escola? Nas séries iniciais, elas eram submetidas a inúmeras atividades de preparação para a escrita, principalmente cópia ou ditado de palavras que já foram memorizadas. Primeiro elas copiavam sílabas, depois palavras e frases e só mais tarde eram solicitadas a produzir escritas de forma autônoma. Atividades como essas só aconteciam (e ainda acontecem!) na escola, porque no dia-a-dia as pessoas aprendem de outro modo: fazendo, errando, tentando novamente até acertar. 

        A concepção tradicional de alfabetização priorizava o domínio da técnica de escrever, não importando propriamente o conteúdo. Era comum as crianças terem de copiar escritos que não faziam para elas o menor sentido: “O boi bebe”, “Ivo viu a uva” e tantas outras sem sentido, mas sempre presente em cartilhas e nos textos artificializados criados com o único objetivo de “ensinar a ler e escrever”, pois se acreditava que se aprendia a ler e a escrever memorizando sons, sílabas e letras. Tudo que era produzido pelos alunos precisava ser controlado: os aprendizes não eram autorizados a produzir livremente e, para escrever qualquer palavra, era preciso que primeiro as crianças conhecessem as letras e famílias silábicas necessárias para escrevê-las. 

       Era muito comum as crianças afirmarem coisas como: “Não posso ler (ou escrever) esta palavra porque minha professora ainda não ensinou esta letra”. Além disso, escritas espontâneas não eram permitidas, uma vez que as crianças deveriam escrever exclusivamente para acertar, sem nenhuma intenção de refletir sobre a escrita. Toda a produção deveria ser constantemente corrigida.

       Os aprendizes não se lançarão ao desafio de escrever se houver a expectativa de que produzam textos escritos de forma totalmente convencional, exatamente porque no início da alfabetização isso ainda não é possível.

        Ferreiro e Teberosky (1979) apontam que, tradicionalmente, o problema da alfabetização tem sido exposto como uma questão de método, e a preocupação seria a de buscar o “melhor e mais eficaz método para ensinar a ler e escrever”. Como discutido no capítulo anterior, convivemos durante várias décadas (e talvez ainda hoje no espaço de muitas escolas) com três tipos fundamentais de métodos: os sintéticos (que centravam a intervenção didática no ensino das partes menores para depois partir para as unidades maiores), os analíticos (que centravam o ensino na memorização de unidades maiores para depois chegar às unidades menores) e os analítico sintéticos (que conduziam atividades de análise e síntese das unidades maiores e menores no mesmo período letivo). Embora houvesse divergência entre os três, ambos percebiam a aprendizagem do sistema de escrita alfabética como uma questão mecânica, a aquisição de uma técnica para a realização do deciframento. A escrita era concebida como uma transcrição gráfica da linguagem oral (codificação), e a leitura, como uma associação de respostas sonoras a estímulos gráficos, uma transformação do escrito em som (decodificação). Essas práticas de ensino da língua escrita pressupunham uma relação quase que direta com o oral; as progressões clássicas, começando pelas vogais, depois combinações com consoantes, até chegar à formação das primeiras palavras por duplicação dessas sílabas, “era” o que podemos chamar de processo ideal para se alfabetizar.

        As autoras supracitadas também apontam que, nas décadas de 1960/1970, surgiram mudanças significativas no que concernia à maneira de compreender os processos de aquisição/construção do conhecimento e da linguagem na criança. Foi nessa época que se passou a considerar que a escrita era uma maneira particular de “notar” a linguagem e que o sujeito em processo de alfabetização já possuía considerável conhecimento de sua língua materna. Até então, a alfabetização muito pouco tinha a ver com as experiências de vida e de linguagem das crianças, estando essencialmente baseada na repetição, memorização e era tida apenas como objeto de conhecimento na escola.

       Para aprender a escrever, é fundamental que o aluno tenha muitas oportunidades de fazê-lo, mesmo antes de saber grafar corretamente as palavras: quanto mais fizer isso, mais aprenderá sobre o funcionamento da escrita. A oportunidade de escrever quando ainda não se sabe permite que a criança confronte hipóteses sobre a escrita e pense em como ela se organiza, o que representa, para que serve. Mesmo quando as crianças ainda não sabem escrever convencionalmente, elas já apresentam hipóteses sobre como fazê-lo

REFERÊNCIAS 

FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. A psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1979. 

FERREIRO, E. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 1988.

GOMEZ PALACIO, M. et al. Propuesta para el aprendizage de la lengua escrita.México, División General de Edicación Especial de la Secretaría de Educacion Pública, 1982. 

LEAL, T. F. A aprendizagem dos princípios básicos do sistema alfabético: por que é importante sistematizar o ensino? In: Albuquerque, E. B. C.; Leal, T. F. A alfabetização de jovens e adultos em uma perspectiva do letramento. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. México, División General de Edicación Especial de la Secretaría de Educacion Pública, 1982. 

TEBEROSKY, A.; COLOMER, T. Aprender a ler e a escrever: uma proposta construtivista. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.