Além de prazeroso, ser um professor leitor é fundamental para incentivar o hábito entre os alunos; confira dicas
04/01/2023
Depois de longos dias letivos, relatórios, planos de aula, provas e tantas outras tarefas típicas de uma escola, as férias chegaram, trazendo a oportunidade do descanso merecido e de um olhar atento para nossa saúde mental.
Mas o que fazer com o tempo livre? O que motiva seu desejo de se entregar a uma atividade lúdica ou a uma situação afetiva e, a partir daí, criar, transformar e ressignificar ações do cotidiano sem a preocupação cronológica?
Ócio é um tempo para si, para criar as próprias ideias, ampliar a capacidade de percepção e compreensão da vida e cultivar a paciência e a atenção. Uma pausa para sermos quem desejamos ser.
Em seu livro O ócio criativo, o sociólogo italiano Domenico de Masi tece importantes considerações sobre diversos aspectos da vida, e a ideia de ócio está relacionada ao tempo, ao prazer e ao silêncio.
Para o autor, “a sociedade pós-industrial oferece uma nova liberdade: depois do corpo, liberta a alma”. A obra de Masi é um convite para repensar como temos preenchido tempos e espaços vazios em nossa vida. Estimada professora, caro professor, trabalho, prazer e estudo estão sendo traduzidos em felicidade em seu cotidiano?
Neste período de pausa, pegue um livro de crônicas ou contos para ler. Além de uma atividade prazerosa, é uma maneira de nos transformarmos em professores leitores, algo fundamental para despertar esse hábito em nossos alunos. Eu até já falei sobre isso na coluna Língua Portuguesa: a importância de ser um professor leitor.
Assim, que tal abrir as páginas de Nu de botas, de Antonio Prata? São memórias da infância de quem viveu na década de 1980; melhor dizendo, são memórias atemporais. Quem não conheceu o palhaço Bozo, completou o álbum de figurinhas da Copa de 1982 ou esperou pela passagem do cometa Halley certamente não se lembrará dos cenários e personagens, mas se reconhecerá em situações que reconstroem a emoção e o sentimento que não se desfazem com o tempo.
Nas páginas de Um brasileiro em Berlim, de João Ubaldo Ribeiro, é possível encontrar formas de desanuviar. São narrativas bem humoradas sobre a temporada do baiano na Alemanha, registros das estranhezas de ser brasileiro em um país tão diferente do nosso.
Prosa e poesia se encontram nos registros de Paulo Mendes Campos. No livro O amor acaba, basta que o lirismo tenha olhos para despertar o lugar comum, andar despretensiosamente pelas manhãs de domingo e relembrar diálogos que tiveram força e vida.
Outros tipos de leitura para as férias
Permita-se a uma leitura para além das palavras. Deixe que o ócio desperte a imaginação. Conheça ou reconheça a cena da vida representada pelas lentes do mestre da fotografia Sebastião Salgado. Para o fotógrafo mineiro, “Você não fotografa com a sua máquina. Você fotografa com toda sua cultura”.
Salgado revela em seu livro Perfume de sonho – uma viagem ao mundo do café a forma como o labor humano, com esforço anônimo, leva à mesa o sabor e a fragrância do café. A obra é resultado de dez anos de paciência, atenção e trabalho realizado em dez países.
Já nos cliques do paulistano Cássio Vasconcellos, encontramos em Brasil visto do céu um paradoxo entre a natureza e a intervenção do homem. Vasconcellos acende os holofotes sobre a maneira como temos ocupado os espaços naturais e como eles nos respondem.
Séries inspiradas na literatura
Agora, se você é do tipo que prefere as obras clássicas, mas não quer perder a inventividade das telonas, a família Holmes não pode faltar em sua lista. Enola Holmes: O caso do marquês desaparecido, de Nancy Springer, está entre as favoritas nos streamings e também nas livrarias.
É sempre instigante acompanhar o raciocínio lógico por trás dos enigmáticos mistérios das aventuras escritas por Arthur Conan Doyle sobre o astuto Sherlock Holmes como em Um estudo em vermelho e O vale do medo.
O tempo, as vivências, a leitura literal e a de mundo confirmam as proposições de Domenico de Masi. O fenômeno da tecnologia e sua potência inovaram e aceleraram as formas de aprender, ensinar, viver e conviver. Mas as atividades humanas que estimulam o intelecto estão associadas à criatividade e à invenção.
É o próprio Masi que relaciona suas ideias ao argumento de um dos maiores sociólogos brasileiros, Gilberto Freyre: “Se depender de mim, nunca ficarei plenamente maduro, nem nas ideias nem no estilo, mas sempre verde, incompleto”.
Por fim, mas não menos relevante, deixo uma sugestão de poema, pois sabemos bem que versos não são fórmulas prontas, são palavras que ganham formas subjetivas que tocam a alma e o coração. E é o próprio Drummond que reforça a ideia de que a inovação está dentro de cada um de nós:
Para ganhar um Ano Novo/ que mereça este nome,/ você, meu caro, tem de merecê-lo,/ tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,/ mas tente, experimente, consciente./ É dentro de você que o Ano Novo/ cochila e espera desde sempre.
Meu fraterno abraço e o desejo de um despertar para o ócio!
Ana Cláudia Santos é professora de Língua Portuguesa na Educação Básica da rede estadual de ensino há 20 anos e mestranda em Educação Profissional e Tecnológica. Foi vencedora do Prêmio Educador Nota 10, promovido pela Fundação Victor Civita, nas edições de 2014 e 2018, com os trabalhos O Povo Conta e O (Ser)tão de Cada Um. Recebeu a medalha Ordem do Mérito Educacional (MEC) – Grau de Cavaleiro e o troféu Capitão-Médico João Guimarães Rosa, da Academia de Letras da PMMG.
fonte: https://novaescola.org.br