quinta-feira, 4 de julho de 2024

Psicogênese da língua escrita: O que é?

 1ª parte

        O que geralmente acontecia quando as crianças entravam para a escola? Nas séries iniciais, elas eram submetidas a inúmeras atividades de preparação para a escrita, principalmente cópia ou ditado de palavras que já foram memorizadas. Primeiro elas copiavam sílabas, depois palavras e frases e só mais tarde eram solicitadas a produzir escritas de forma autônoma. Atividades como essas só aconteciam (e ainda acontecem!) na escola, porque no dia-a-dia as pessoas aprendem de outro modo: fazendo, errando, tentando novamente até acertar. 

        A concepção tradicional de alfabetização priorizava o domínio da técnica de escrever, não importando propriamente o conteúdo. Era comum as crianças terem de copiar escritos que não faziam para elas o menor sentido: “O boi bebe”, “Ivo viu a uva” e tantas outras sem sentido, mas sempre presente em cartilhas e nos textos artificializados criados com o único objetivo de “ensinar a ler e escrever”, pois se acreditava que se aprendia a ler e a escrever memorizando sons, sílabas e letras. Tudo que era produzido pelos alunos precisava ser controlado: os aprendizes não eram autorizados a produzir livremente e, para escrever qualquer palavra, era preciso que primeiro as crianças conhecessem as letras e famílias silábicas necessárias para escrevê-las. 

       Era muito comum as crianças afirmarem coisas como: “Não posso ler (ou escrever) esta palavra porque minha professora ainda não ensinou esta letra”. Além disso, escritas espontâneas não eram permitidas, uma vez que as crianças deveriam escrever exclusivamente para acertar, sem nenhuma intenção de refletir sobre a escrita. Toda a produção deveria ser constantemente corrigida.

       Os aprendizes não se lançarão ao desafio de escrever se houver a expectativa de que produzam textos escritos de forma totalmente convencional, exatamente porque no início da alfabetização isso ainda não é possível.

        Ferreiro e Teberosky (1979) apontam que, tradicionalmente, o problema da alfabetização tem sido exposto como uma questão de método, e a preocupação seria a de buscar o “melhor e mais eficaz método para ensinar a ler e escrever”. Como discutido no capítulo anterior, convivemos durante várias décadas (e talvez ainda hoje no espaço de muitas escolas) com três tipos fundamentais de métodos: os sintéticos (que centravam a intervenção didática no ensino das partes menores para depois partir para as unidades maiores), os analíticos (que centravam o ensino na memorização de unidades maiores para depois chegar às unidades menores) e os analítico sintéticos (que conduziam atividades de análise e síntese das unidades maiores e menores no mesmo período letivo). Embora houvesse divergência entre os três, ambos percebiam a aprendizagem do sistema de escrita alfabética como uma questão mecânica, a aquisição de uma técnica para a realização do deciframento. A escrita era concebida como uma transcrição gráfica da linguagem oral (codificação), e a leitura, como uma associação de respostas sonoras a estímulos gráficos, uma transformação do escrito em som (decodificação). Essas práticas de ensino da língua escrita pressupunham uma relação quase que direta com o oral; as progressões clássicas, começando pelas vogais, depois combinações com consoantes, até chegar à formação das primeiras palavras por duplicação dessas sílabas, “era” o que podemos chamar de processo ideal para se alfabetizar.

        As autoras supracitadas também apontam que, nas décadas de 1960/1970, surgiram mudanças significativas no que concernia à maneira de compreender os processos de aquisição/construção do conhecimento e da linguagem na criança. Foi nessa época que se passou a considerar que a escrita era uma maneira particular de “notar” a linguagem e que o sujeito em processo de alfabetização já possuía considerável conhecimento de sua língua materna. Até então, a alfabetização muito pouco tinha a ver com as experiências de vida e de linguagem das crianças, estando essencialmente baseada na repetição, memorização e era tida apenas como objeto de conhecimento na escola.

       Para aprender a escrever, é fundamental que o aluno tenha muitas oportunidades de fazê-lo, mesmo antes de saber grafar corretamente as palavras: quanto mais fizer isso, mais aprenderá sobre o funcionamento da escrita. A oportunidade de escrever quando ainda não se sabe permite que a criança confronte hipóteses sobre a escrita e pense em como ela se organiza, o que representa, para que serve. Mesmo quando as crianças ainda não sabem escrever convencionalmente, elas já apresentam hipóteses sobre como fazê-lo

REFERÊNCIAS 

FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. A psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1979. 

FERREIRO, E. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 1988.

GOMEZ PALACIO, M. et al. Propuesta para el aprendizage de la lengua escrita.México, División General de Edicación Especial de la Secretaría de Educacion Pública, 1982. 

LEAL, T. F. A aprendizagem dos princípios básicos do sistema alfabético: por que é importante sistematizar o ensino? In: Albuquerque, E. B. C.; Leal, T. F. A alfabetização de jovens e adultos em uma perspectiva do letramento. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. México, División General de Edicación Especial de la Secretaría de Educacion Pública, 1982. 

TEBEROSKY, A.; COLOMER, T. Aprender a ler e a escrever: uma proposta construtivista. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.

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